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Lobato: um brasileiro

Gilmar Ramos, professor de literatura, faz uma crônica sobre Monteiro Lobato.

Muitos homens já haviam debruçado seu olhar sobre a paisagem brasileira, retratando sua imensidão, sua beleza e suas peculiaridades. O Ceará, com suas matas virgens, já aparecera com José de Alencar; Minas Gerais e Goiás já davam mostras de suas grandezas na pena de Bernardo Guimarães; Visconde de Taunay desvendava o Mato Grosso, com seus hábitos e costumes. Mas, essa maneira de enxergar o Brasil não agradava o senhor Monteiro Lobato, que certa vez afirmara: “Ler Bernardo Guimarães é ir para o mato, para a roça, mas uma roça adjetivada por menina de Siao, onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonoros e as rolinhas meigas. Bernardo falsifica o nosso mato.”

E assim, nascia o crítico e polêmico escritor, que procurou estampar a realidade do homem do campo, sem “meias palavras”, sem idealizações, não recorrendo ao paisagismo romântico do século XIX, mas desnudando nossas misérias, nossas diferenças e, sobretudo, nosso atraso na agricultura. Falava em reforma agrária, numa época em que dominavam os “barões do café”. Denunciava o despreparo do caboclo no arranjo e manuseio do campo, registrando sua indolência, sua preguiça e suas mazelas.
Criticado, será que Lobato foi mais uma vítima de seu tempo? Ele teria exagerado em seus comentários, visto por muitos como maldosos? Quem sabe não seria melhor se procurássemos entender Lobato como o escritor Érico Veríssimo: “Não vejo razão para não continuar considerando Monteiro Lobato como uma das muitas lendas maravilhosas inventadas por ele próprio. A lenda dum homem dinâmico num país apático; de um homem vivo num povo cuja maior parte está semimorta porque tem sido abandonada, porque vegeta subalimentada, sem escolas, sem hospitais, sem nada; dum homem de espírito a bradar revoltado em meio da mediocridade ou da indiferença.”

Lobato viu além do seu tempo. É certo que gastou parte da herança da família na procura de petróleo, o que segundo ele era primordial para o desenvolvimento e soberania do país. Andara o país todo fazendo conferências sobre o “ouro negro”, o que mais tarde desencadearia sua prisão, pois escrevera a Getúlio Vargas, então presidente do país, acusando o Departamento Nacional de Produção Mineral de agir a favor dos “interesses imperialistas”, perpetuando “nossa situação de colônia americana”. Homem de coragem, Lobato não diminuiria sua luta pela autonomia do Brasil.

Voltemos um pouco nosso olhar para o homem das letras. Quando Lobato comprou a Revista do Brasil, dando início à sua atividade de editor, havia apenas cinquenta livrarias em todo o Brasil, oferecendo, em geral, obras mal editadas, mal traduzidas, com capas pouco atraentes. Para mudar esse quadro, investiu num sistema agressivo e inédito de mala direta e venda por consignação através de agentes autônomos e pequenas empresas espalhadas pelo interior. Assim, o senhor Lobato tornou-se, no início do século XX, o maior e mais ousado editor do país, colocando sua máxima em prática: “Um país se faz com homens e livros.”.